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Transtornos mentais na vida adulta: as raízes podem estar na infância?

Impacto das Crises Convulsivas na Infância: Estudos Revelam Importantes Descobertas
Impacto das Crises Convulsivas na Infância: Estudos Revelam Importantes Descobertas Créditos: depositphotos.com / 100502500

Os primeiros anos de vida são fundamentais para o desenvolvimento do cérebro. Perturbações cerebrais nesta fase, como lesões, infecções, estresse ou desnutrição, podem ter consequências duradouras na função cerebral e no comportamento. As crises convulsivas são as ocorrências neurológicas mais comuns nesta idade e representam um risco elevado para distúrbios do neurodesenvolvimento, como autismo, TDAH e deficiência intelectual, além de esquizofrenia e epilepsia.

Um estudo realizado na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP) e apoiado pela Fapesp investigou os efeitos das crises convulsivas na infância usando roedores como modelos animais. Liderado por Rafael Naime Ruggiero e supervisionado por João Pereira Leite, a pesquisa também contou com a colaboração de cientistas da Unifesp e da UFMG, sendo publicada no periódico eLife. Esse estudo revelou informações importantes sobre como as convulsões na infância podem afetar o desenvolvimento cerebral a longo prazo.

Neuroinflamação e Desenvolvimento de Distúrbios Neurológicos

Os pesquisadores descobriram que as crises convulsivas na infância não causam morte neuronal, mas são associadas a disfunções moleculares, celulares e de redes neurais. Isso resulta em um aumento persistente da inflamação no cérebro, associada a alterações comportamentais relacionadas ao autismo e à esquizofrenia. Além disso, observaram uma relação surpreendente entre neuroplasticidade e cognição.

O estudo revelou que o fortalecimento das conexões neurais é exagerado em indivíduos que sofreram convulsões na infância, indicando um alto nível de neuroplasticidade. Embora isso possa parecer benéfico, tanto a falta quanto o excesso de plasticidade podem prejudicar a cognição. Déficits de atenção e memória, além de um maior risco de desenvolver epilepsia na vida adulta, são algumas das consequências observadas.

Como as Crises Convulsivas na Infância Afetam o Cérebro?

Outra descoberta intrigante foi a semelhança entre a atividade cerebral em estado de vigília ativa e durante o sono REM em indivíduos que sofreram crises na infância. Isso pode explicar processamentos sensoriais atípicos, particularmente na esquizofrenia. Na prática clínica, as epilepsias apresentam alta taxa de comorbidades psiquiátricas, incluindo autismo, deficiência intelectual e TDAH, algumas das quais se manifestam na idade adulta.

As convulsões na infância estão associadas a problemas de desenvolvimento a longo prazo, como déficit de atenção, memória e aprendizagem, além de aumentar o risco de epilepsia na vida adulta.

Ruggiero acrescenta que, semelhantes ao observado na clínica, roedores expostos a convulsões nos primeiros dias de vida apresentaram várias alterações comportamentais na vida adulta, incluindo hiperlocomoção e dificuldades no filtro sensório-motor. Essas mudanças afetam a capacidade de o cérebro filtrar informações sensoriais e respostas motoras, o que é regulado por medicamentos antipsicóticos no tratamento de esquizofrenia.

Neuroinflamação: Um Papel Crucial na Saúde Mental

Uma das descobertas mais marcantes foi a presença de neuroinflamação no cérebro dos animais que sofreram crises convulsivas na infância. Esse processo é natural e necessário para combater infecções e recuperar de lesões. As células da glia, especialmente os astrócitos, desempenham um papel fundamental neste processo. A marcação da proteína GFAP, presente no esqueleto dos astrócitos, é usada para investigar a neuroinflamação.

Os astrócitos são fundamentais na regulação da neuroinflamação, combatendo infecções e ajudando na recuperação de lesões. Eles desempenham um papel crucial no processo inflamatório e na manutenção da homeostase cerebral.

  • Elevados níveis de neuroinflamação foram observados em várias regiões cerebrais dos animais.
  • Esses níveis estavam correlacionados com alterações comportamentais, sensório-motoras e relacionadas ao autismo e à esquizofrenia.

Embora não seja novidade que transtornos como TEA e esquizofrenia estejam associados à neuroinflamação, o estudo revela como as crises convulsivas podem ser um gatilho para uma inflamação desregulada que persiste até a vida adulta. Isso sugere que intervenções precoces podem prevenir ou mitigar essas alterações comportamentais.

Perspectivas para Intervenções Futuras

Um aspecto positivo desse estudo é que as alterações comportamentais não estão sempre ligadas à morte neuronal irreversível, mas sim a disfunções neurais que podem ser revertidas com tratamento. Isso abre caminho para intervenções que podem melhorar o funcionamento cerebral e comportamental ao longo da vida, especialmente se iniciadas precocemente.

Essas descobertas trazem esperança para o desenvolvimento de tratamentos que podem prevenir complicações futuras, promovendo um desenvolvimento mais saudável. A chave está na intervenção precoce e na continuidade de pesquisas que possam aprofundar nosso entendimento sobre a relação entre neuroinflamação e distúrbios do neurodesenvolvimento.

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